Habitação, Personagens e Conceitos 01

Demonstra-se aqui a definição do projeto arquitetônico e seu papel a partir do contexto antropológico e sócio econômico, deixando claro que o processo projetual na arquitetura tem várias interpretações e os papéis dos personagens variam de acordo com o contexto sócio-econômico no âmbito da etapa produtiva da arquitetura.

Os personagens no projeto arquitetônico

(SILVA, 1984)

A sociedade primitiva

Primitivo aqui não refere-se apenas ao posicionamento cronológico e sim antropológico. Atualmente ainda existem grupos que adotam essa prática. Acontece quando a construção do abrigo é feita pelo próprio usuário. De acordo com Evan: “a operação é concretizada segundo um padrão formal e de acordo com uma técnica devidamente sancionados pela tradição, e geralmente respeita tanto os fatores ambientais quanto a disponibilidade imediata de meios de edificação. No segundo caso, não há propriamente um modelo concreto a ser reproduzido, mas um conjunto de circunstancias limitadoras que tornam a precariedade como característica principal do processo. (SILVA, 1984: 18)

O projeto em ambos os casos é desnecessário, pois o abrigo é a reprodução de um modelo ou um acoplamento de peças e materiais de construção. O abrigo é apenas parte inevitável da vida dos membros do grupo.

A sociedade intermediária

Acontece numa sociedade um pouco mais desenvolvida que passa a comportar uma divisão social do trabalho. Alguns membros conseguem “se livrar” de algumas tarefas e terceirizam essas, e outros se especializam em algumas tarefas específicas e assim garantem sua subsistência.

De acordo com Elvan: “O ancestral do moderno arquiteto foi o homem que abandonou a caça, a pesca, a agricultura ou o pastoreio para dedicar-se ao remunerado mister de edificar casas para os outros que, por sua vez, já não eram mais obrigados a envolver-se com tais ocupações.” (SILVA, 1984: 20)

Nessa categoria o construtor tem a responsabilidade de executar a casa sem que isso signifique atividade criativa. As formas são simples e muitas vezes seguem um modelo. Assim não há necessidade do projeto.

A Sociedade organizada

Nessa parte, o grau de hierarquização da sociedade é mais nítido e a hierarquização do trabalho também. Aqui se exclui a participação direta do usuário, as necessidades deste são interpretadas por um dos intermediários e que as registra e elabora um documento, o projeto. O segundo intermediário através do projeto compreende as necessidades e aspirações do usuário.

Nesse caso, o projeto é de fundamental importância para definir uma linguagem mais ou menos em comum entre as partes da construção.

A sociedade complexa

Nessa, a responsabilidades da tarefa edificatória são compatrilhadas por elementos de diversas formações, reunidos por transitórios interesses profissionais.

Segundo Elvan: “A existência de profissionais de diferentes especialidades, demandando orientação diferenciada, exige que o projeto seja desdobrado, de modo a veicular as linguagens especificas de cada especialidade: estrutura, instalações elétricas, instalações de água e esgoto, instalações de ar condicionado, etc.” (SILVA, 1984: 22)

Aqui, o papel do projeto como registro e comunicação é acentuado e cabe ao projeto contribuir para a definição dos encargos e deveres das partes envolvidas.

As sociedades mais organizadas ou mais complexas tendem a controlar a atividade dos cidadãos, em nome daquilo que se convencionou chamar de interesse publico, o controle a legislação urbanística e sua decorrente fiscalização, ai existe a necessidade de aprovação do projeto pelos organismos especializados.

Conclusão provisória

Chega uma fase que o projeto pode ser chamado de “discurso despótico” onde este é unidirecional, que possui objetivo apenas de informar, sem permitir resposta e reformulação. Evita a surpresa e o desconhecido.

De acordo com Elvan: “O projeto não é uma etapa inevitável no processo de produção do edifício; o projeto arquitetônico realmente se torna necessário quando há a possibilidade da surpresa e do inesperado na atividade edificatória, ou seja, quando a construção não obedece mais a um modelo concreto previamente conhecido pelo usuário e/ou construtor; e quando o numero de elementos envolvidos no processo de produção da arquitetura se amplia de a modo a exigir um protocolo de registro e comunicação das decisões, necessário para garantir uma desejável ,mas nem sempre atingível unidade na interpretação das concepções delineadoras da a obra a ser realizada.” (SILVA, 1984: 26)

Ainda existem outras formas de personagens envolvidos na construção, ainda mais quando se trata de habitação, tais como o mutirão e a autogestão.


A produção da casa no Brasil

(FERRO, 2006)


Construtor

autoconstrução (famílias, mulher, filhos) em fins de semana. Quando contrata alguém, as vezes transforma-se em servente.

Materiais

Menor preço, disponibilidade de entrega e estar perto, para evitar transporte oneroso, compra parcelada, não requerer mais do que um indivíduo para sua manipulação e sem dificuldade técnicas

Técnica

Aprendizado pela vivência, observação, cultura popular, absorvida pela contínua vizinhança. A urgência da realização do trabalho elimina inovações, o tempo é parcelado e não exige continuidade. Seguem modelos de construção já garantidos e recorrem ao que já foi provado no local, adaptando somente a raquítica técnica aos materiais que pode obter.

Produto

Limitado, padrão e precário. Espaços mínimos e econômicos como precisão de produto.

Uso

Pouco mais que a proteção contra chuva e frio, espaço e equipamentos para o preparo de alimentos e descanso. Tem uma relação direta e não mediatizada, como só surge entre homem e seu instrumento de trabalho pessoal.

“A produção não cria somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto. (...) Produz, por conseguinte, o objeto do consumo, o modo de consumo e o instinto de consumo.” (Marx, 2003)

O valor de uso social

A forma de produção é artesanal e arcaica, (...) as construções são para atender as necessidades básicas particulares, despreocupados com a possível utilização por outros, o valor que cria é um valor de uso social.

Pequena propriedade

Como ser em transição, o operário se determina como sucessão de realizações gradativamente “ supereiores” de ser mercadoria. (...) O operário vê a própria casa como temporária. Então, o operário “ser em transição” atinge exemplarmente o que para maioria permanece aspiração irrealizada: a categoria do “pequeno operário urbano” e passar usufruir de renda não proveniente de sua venda de seus “bens”. (...) O trabalhador isolado, enfrenta o que quer superar, sua miséria, que proteger-se só. Nega a universalidade atingida, parte do trabalho coletivo atuando com meios de produção em massa, nega a solidariedade orgânica e coletiva fruto do trabalho comum e retoma o princípio da propriedade que lhe é negada enquanto assalariado. E o que produz é o indispensável para sua subsistência, resultado tosco de individualismo auto-suficiente, é a miniatura frustrante d lar burguês, isolado, fechado, marcando nítidos os contornos de sua posse.


Bibliografia

K. Marx, Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 237

SILVA, Evan. Uma introdução ao projeto arquitetônico. Editora da Universidade. Rio grande do Sul, 1984.

FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. Editora Cosac Naify. São Paulo, 2006.

Grupo:

Alexandre Bessa

Bruno Bowen

Leandro Correa

Lilian Dazzi

Samira Proeza

Stephanie Azevedo


Comentários