HABITAÇÃO POPULAR – TÉCNICAS CONSTRUTIVAS E SUSTENTABILIDADE 01

“O direito à moradia significa garantir a todos um lugar onde se abrigue de modo permanente, pois, a etimologia do verbo morar, do latim “morari”, significa demorar, ficar. O conteúdo do direito à moradia não significa, tão somente, a faculdade de ocupar uma habitação. A história da habitação está ligada ao desenvolvimento social, econômico e político da humanidade. É imprescindível que essa habitação tenha dimensões adequadas, em condições de higiene e conforto, a fim de atender ao disposto na Constituição Federal, que prevê a dignidade humana como princípio fundamental, assim como o direito à intimidade e à privacidade, e que a casa é um asilo inviolável. Não sendo assim, esse direito à moradia seria um direito empobrecido, pois, considerar como habitação um local que não tenha adequação e dignidade para abrigar um ser humano, é mortificar a norma constitucional” (CANUTO, VLACH, 2005 apud FITTIPALD, 2008).

Um exemplo de construção sustentável é a “Potter’s house” (Figuras 1 e 2), uma residência situada em Bancroft, Ontario, Canadá, que foi construída utilizando a tecnologia de uma “earthship”, tipo de construção sustentável que tem paredes de pneus com terra dentro para maior conforto térmico. No Brasil, a ONG PDRV, Projeto Rosa dos Ventos na Paraíba, vem construindo casas com “lixo”, ou seja, rejeitos da construção civil; a Prefeitura de Belo Horizonte desenvolve o mais bem sucedido programa de reciclagem, utilizando 90% do lixo de um centro de reciclagem lá montado. Essas casas populares recicladas, como vêm sendo chamadas, levariam menos de um terço do tempo para serem erguidas e custariam 35% menos que as clássicas casas de conjuntos habitacionais construídas atualmente. Pesquisadores brasileiros também estão estudando um conceito inédito de arquitetura sustentável, é o projeto da “casa alimento”, premiada no concurso Habitat 2004 da ONU, uma casa construída com garrafas Pet, com orçamento final em torno de R$700,00. (FITTIPALD, 2008:22)

Figura 1 – Processo construtivo da Potter’s house em Brancof, Ontário - Canadá


Figura 2 - Potter’s house em Brancof, Ontário - Canadá

Toda construção para ser sustentável deve ter características básicas como, por exemplo, fazer uma gestão ambiental da implantação da obra, com mínimo consumo de energia e água durante a execução da obra, utilizar matérias primas que sejam ecoeficientes, gerar o mínimo possível de resíduos e contaminação durante a vida útil da edificação, integrar-se ao ambiente natural, ser adaptável à necessidades futuras dos usuários e ter um ambiente interior saudável.

Os tipos de construções sustentáveis são:

1- Construídas com materiais sustentáveis industriais – são os ecomateriais, ou as edificações chamadas de “green building” existentes pela América do Norte;

2- Construídas com resíduos não processados, “Earthship” – reutiliza os materiais encontrados no meio ambiente, geralmente urbano, tais como garrafas Pet, pneus de automóveis, latas, cones de papel, sendo mais comum em autoconstruções ou com profissionais com espírito criativo;

3- Construídas com materiais de reuso, demolições ou segunda mão - incorpora produtos convencionais e prolonga sua vida útil; necessita de uma pesquisa para compra desses materiais, reduzindo assim seu alcance e reprodutividade;

4- Construção alternativa – emprega materiais encontrados no mercado e atribui nova função para eles, sendo muito utilizado nas comunidades carentes e se assemelha muito ao modelo de autoconstrução;

5- Construções naturais – utiliza materiais encontrados na região a ser construída, com baixo custo, sendo apropriado para locais integrados com a natureza e vegetação.

(IDHEA, 2006 apud FITTIPALD, 2008:23)

Observar a forma como as pessoas do local construíam suas casas antigamente é a maneira mais correta de se começar a desenvolver um projeto sustentável em qualquer região. “Assim não se cai no erro de importar desenhos e materiais que não combinam com as condições locais”, diz Lengen (2002) em seu livro “Manual do arquiteto descalço”, onde ele expõe seus estudos a respeito de uma construção mais humanizada, de acordo com as possibilidades de cada região. A casa deve estar de acordo com o clima e não o clima com a casa. “Na antigüidade, os primeiros arquitetos amassavam a terra com os pés para preparar os tijolos. Arquitetos descalços pisando a terra, uma imagem distante de nossa realidade que se afasta cada vez mais da natureza” (LENGEN, 2002).

A escolha de materiais que podem ser utilizados de maneira consciente, respeitando sua formação e a função que vai exercer em uma edificação é que vai definir a certificação de uma construção como sustentável.

No caso de materiais à base de terra ou argila queimada (como tijolos e telhas cerâmicas), é importante escolher as telhas não esmaltadas, pintadas ou vitrificadas, pois apresentam melhor conforto térmico e não incorporam insumos que agridem o meio ambiente e saúde dos seres vivos, como pigmentos tóxicos e metais pesados. Dentre as telhas de argila queimada, a mais racional e sustentável do ponto de vista do processo de fabricação, quantidade de material utilizado, desperdício e instalação é a do tipo capa-e-canal (IDHEA, 2007, apud FITTIPALD, 2008).

Segundo FITTIPAL, 2008, é importante também utilizar pedras que sejam extraídas no local da construção, que sejam reconhecidamente abundantes e que possuam boa inércia térmica (retêm o calor durante o dia e o liberam à noite). Dar preferência para as fibras vegetais como por exemplo persianas, tapetes, carpetes e objetos de interiores de bambú (estruturas, mobiliário, adornos, utilitários, pisos), sisal (carpete), juta (base para carpete), fibra de coco (isolante termo-acústico), cortiça (piso, linóleo, isolante termo-acústico), rami (persianas).

A cal é definida como um dos melhores e mais saudáveis produtos já elaborados pelo homem. Usada para argamassas de assentamento, revestimento e pintura, é um fungicida natural e permite a respiração da parede (desde que não se aplique massa corrida ou acrílica antes). Excelente para quartos de criança e de pessoas com problemas respiratórios e em banheiros e áreas úmidas, não “estoura” como as pinturas plastificantes convencionais (acrílicas e látex).

Alguns materiais devem ser racionalizados devido ao seu processo de produção e utilização por agredirem o meio ambiente ou por causarem danos a saúde humana.

(FITTIPALD, 2008:28 e 29)

Tecnologias Ambientalmente Saudáveis (TAS)

O que é TAS? Conforme a Agenda 21, Capítulo 34, elas são tecnologias que “protegem o meio ambiente, são menos poluentes, usam todos os recursos de forma mais sustentável, reciclam mais seus resíduos e produtos e tratam os dejetos residuais”; "tecnologias de processos e produtos que geram pouco ou nenhum resíduo, para a prevenção da poluição”; “não são apenas tecnologias isoladas, mas sistemas totais que incluem conhecimentos técnico-científicos, procedimentos, bens e serviços e equipamentos, assim como os procedimentos de organização e manejo”, sendo que elas devem ser “compatíveis com as prioridades sócio-econômicas, culturais e ambientais nacionalmente determinadas”. Portanto, elas devem ser acessíveis e seus mecanismos de transferências devem ter medidas de apoio para promover uma cooperação tecnológica e que chegue até a população de acordo com a economia nacional, e as condições sociais do mesmo.

A Política Nacional do Meio Ambiente tem as TAS como um princípio, um objetivo e um instrumento, conforme citados em alguns artigos e itens da Lei nº 6.938, de 31.08.1981 (Anexo II):

(FITTIPALD, 2008:36)

As técnicas utilizadas atualmente são as mais diversas possíveis, sendo que algumas são antigas e aperfeiçoadas, como a da taipa, e outras são novas e inovadoras, como as mini-estações de tratamento de esgoto. Segue uma lista com as principais técnicas utilizadas em uma edificação.

1- Mini-estação de tratamento de esgoto: resolve o problema do saneamento básico no próprio local da geração dos efluentes e esgotos domésticos. São sistemas modulares ou compactos, fabricados em plástico leve (polietileno rotomodulado) ou em plástico reforçado com fibra de vidro, para tratamento de água e esgoto os quaisestão menos sujeitos a avaria que fossas de concreto (tanques sépticos), sendo sua eficiência e facilidade de instalação incomparavelmente superior, e faz o tratamento biológico das águas servidas e negras da edificação. O sistema associa etapas anaeróbias (por ausência de ar) e aeróbia (presença de ar), através das quais ocorre a descontaminação do efluente. A carga orgânica contida na água é removida pela ação de microrganismos eficientes (bactérias), eliminando patógenos que podem transmitir doenças e contaminar o lençol freático. Essa ação permite que a água devolvida ao meio ambiente saia com cor cristalina, sem tubidez ou odores, sem oferecer riscos à saúde e ao meio ambiente, podendo ser reusada para funções não-potáveis. No caso dos sistemas modulares, o equipamento vem em peças soltas (caixas de inspeção, de gordura, tanque séptico, filtro biológico/aeróbio). Já os sistemas compactos são formados por peça única, que contêm todas as etapas dentro de uma caixa, e requer energia elétrica para acionar sopradores para etapa aeróbia (IDHEA, 2007).

2- Sistema de captação de água de chuva: tem o objetivo de aproveitar um recurso que está se esgotando na edificação, através do telhado, por meio de calhas, ou então utilizando grelhas/grades instaladas no solo. Faz-se necessário a instalação de um filtro autolimpante para que a água seja armazenada na cisterna, diferente da que armazena a água que vem da rede pública. Dependendo da região ou cidade que está localizada a edificação faz-se necessário instalar outros filtros, como por exemplo, para limpeza águas provindas de chuva ácida. Esta água é utilizada para funções não-potáveis, como jardins e hortas, piscinas, descarga de vasos sanitários, tanques, lavar pisos, automóveis, e caso não chova durante alguns meses, a água que vem da rede pública sempre pode ser religada através de um registro.

3- Tijolo de solo-cimento: produzido com terra crua, do próprio local, sem cozimento e emissão de CO2 à atmosfera, permitindo a respirabilidade da parede construída, mantendo o teor de umidade interna em torno de 50%, condição ideal para o ser humano, com orifícios no interior do tijolo onde passam os conduítes e tubulação hidráulica, sem necessidade de rasgamento de paredes pós-construção, além de favorecer a acústica do ambiente e um conforto térmico mais adequado, em função do bolsão de ar que é formado no interior da parede e finalmente com aparência estética excelente para ser utilizado sem revestimento, substituindo o tijolo aparente normalmente utilizado, fazem desta técnica a mais utilizada pelos consumidores, juntamente com o aquecimento solar. É conhecido como tijolo ecológico. Deve-se ter certeza de que o traço usado para sua elaboração é de 8 partes de terra areno-argilosa (70% areias, 30% argilas), por 1 de areia e 1 de cimento, além de observar a procedência da terra utilizada para um acabamento de qualidade e homogeinidade. Utilizar, para área externa, produtos hidrofugantes siliconados, à base de água, evitando o uso de tintas e vernizes, os quais formam uma película não deixando a parede respirar e prejudicando o ar interno da edificação. Apenas nas áreas úmidas se recomenda que haja revestimento com produtos fílmicos, azulejos e outros que impeçam a disseminação da umidade (IDHEA, 2007).

4- Bloco cerâmico com fibra celulósica: composto por pó de carvão (reaproveitamento), argila e resíduo de papel (30% do total), para fechamento de parede (tipo tijolo baiano), portanto reaproveitar sobra de papéis e requer menor tempo de queima, emitindo uma quantidade menor de CO2 na atmosfera. Na Europa são conhecidos como blocos de “termo-argila”, aproveitando os orifícios dos blocos para preencher com materiais que contribuem com o isolamento termo-acústico, tais como argila expandida, pó de serra e resíduo de cortiça (IDHEA, 2007).

(FITTIPALD, 2008:39)

As tecnologias sustentáveis são propostas com o objetivo de minimizar o impacto que uma construção tem no meio ambiente, seja economizando um recurso natural como a água ou apropriando-se de técnicas construtivas antigas, melhorando-as como a taipa. Nem sempre tais tecnologias apresentam um custo acessível a todos, como é o caso da energia fotovoltaica, que ainda tem um preço impraticável até mesmo para a população de alta renda do país. (FITTIPALD, 2008:39)

Pode-se dizer que construir nos conceitos sustentáveis pode ser mais dispendioso, com certeza, porém dependendo da técnica utilizada e do material escolhido este custo pode diminuir consideravelmente. A pesquisa de mestrado de Mônica Pittipald faz um estudo sobre as técnicas construtivas e tecnologias sustentáveis, e mostra uma diferença de custo entre uma casa convencional e uma casa sustentável desenvolvida por ela, que chega a ser 18,64% mais cara. Contudo, se a casa utilizar materiais naturais, encontrados na região, como a taipa, por exemplo, esse valor diminui em 6,69% em relação ao valor da casa convencional, tornando-se mais econômica.

A pesquisa desenvolvida por FITTIPALD (2008) junto à população, que questionou a população sobre as tipologias construtivas e materiais para construção de uma casa popular, mostra uma rejeição que a casa de taipa causou na população por se tratar de uma técnica muito antiga, que apresentava muitos problemas, inclusive causando danos à saúde humana. Além disso, são acrescidos os aspectos culturais da região, sendo intrínseco nas pessoas desde a infância que este tipo de construção é referencial de pobreza, sendo encontrada no interior nas casas dos colonos das fazendas, nunca nas casas dos proprietários.

Já a pesquisa junto às pessoas que viveram em casas de taipa mostrou uma satisfação com o sistema construtivo, com elogios ao conforto térmico, uma vez que suas residências atuais não apresentam nada parecido. Percebe-se que um trabalho de educação ambiental junto a população esclarecendo a importância de uma construção com materiais naturais e regionais, além de enfocar a técnica ensinando-a corretamente para que os problemas com insetos, poeira e rebocos desmoronando não ocorram, esta casa poderá ser aceita, visto que a pesquisa de campo comprova o interesse da população de baixa renda em cooperar para o futuro do planeta. (FITTIPALD, 2008:83)

A pesquisa de FITTIPAL comprovou também a utilização do coquilho de dendê como agregado do concreto, substituindo a brita, agregado mineral que através da extração causa impactos negativos ao meio ambiente e que ainda não tem um substituto. O custo de se utilizar o coquilho no lugar da brita praticamente não foi alterado (diminuindo apenas 3% ao valor da casa com brita), porém a economia com transportes e a importância de se utilizar um material que é considerado refugo na região faz com que o coquilho do dende seja considerado um material sustentável, tornando-se a primeira opção para se construir com uma consciencia ambiental.


Referências:
IDHEA, 2006 apud FITTIPALD
CANUTO, VLACH, 2005 apud FITTIPALD, 2008
http:www.uesc.br/cursos/pos_graduacao/mestrado/mdrma/dissertacoes/dissertacao_monica_fittipladi.pdf


Ana Carolina Giovanni Cecatto;
Daniela Valt Nepomuceno;
Renata Collodetti

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