Habitação social no Brasil

Após o golpe de 1964, período que a aceleração industrial começou a demandar um maior numero de moradias para os trabalhadores, foi criado o BNH, que surgiu como uma resposta do governo militar à forte crise no setor da habitação do país. Relevando as críticas ao BNH e ao sistema por ele preconizado (política habitacional baseada na casa própria), sua importância é indiscutível, pois este período (1964-86) foi o único em que o país teve, de fato, uma política a nível nacional voltada para a questão da habitação.

Um dos objetivos, além de fornecer residência para essa demanda da população, era de consolidar a construção civil como um poder econômico, já que o principal meio de adquirir a habitação era por conta de financiamentos para a compra da casa própria. Essa investida transformou a construção civil num pólo de investimento ideológico dos políticos, lançando ideais progressistas.

Outro acelerador dessa política habitacional foi a relação que o FGTS do trabalhador passou a ter no financiamento de suas habitações. Esse recurso foi fundamental para que condicionasse a iniciar o pagamento dessas residências, fazendo elevar, e muito, os índices das construções. Essa negociação também foi discurso de políticos militares da época, que queriam assemelhar nomes e partidos políticos a essa investida, que de certa forma, veio para beneficiar a população e a empresa privada, agradando, portanto, empresários e população em geral.

Não foi por acaso que os resultados (quantitativo) foram muito expressivos: nos 22 anos de funcionamento do BNH, o Sistema Financeiro da Habitação financiou a construção de 4,3 milhões de unidades novas. Se for considerado o período até 2000, (SFH continuou funcionando após a extinção do BNH), foram financiadas aproximadamente 6,5 milhões de unidades habitacionais. Isso corresponde a quase 25% das novas moradias construídas no país durante esse período.

Mesmo que a produção habitacional tenha sido significativa, esteve longe de atender as necessidades do país e insuficiente para suprir o déficit habitacional. Isso se agravou pelo acelerado processo de urbanização que ocorreu na segunda metade do século XX.

A estratégia implementada pelo BNH (adoção da casa própria como única forma de acesso à moradia e ausência de estratégias – de caráter técnico, financeiro e urbano – para incorporar processos alternativos de produção da moradia) contribuiu pouco para enfrentar o problema que o órgão se propunha a resolver. Com isso, o sistema excluiu da política habitacional parcelas significativas da população de mais baixa renda. Em conseqüência, ocorreu um intenso processo de construção informal, distantes das áreas urbanizadas e carentes de infra-estrutura e equipamentos sociais.

Em relação as obras realizadas, devem-se destacar algumas falhas cometidas:

· Opção por grandes conjuntos na periferia das cidades, gerando verdadeiros bairros dormitórios;

· Desarticulação entre os projetos e a política local;

· Desprezo pela qualidade do projeto, com soluções uniformizadas e padronizadas, sem preocupação com a qualidade da moradia, inserção urbana e com o meio físico;

· Desconsiderou as peculiaridades de cada região, não levando em conta aspectos culturais, ambientais e de contexto urbano.



(Conjunto Habitacional Sumaré I, Sumaré, São Paulo)

A crise do modelo econômico proposto pelo regime militar a partir dos anos 80 teve enorme repercussão no Sistema Financeiro da Habitação, com a redução da sua capacidade de investimento e criando um clima favorável para o aumento das críticas ao BNH.

Com o fim do regime militar, em 1985, esperava-se que todo o SFH, incluindo o BNH e seus agentes (COHAB’s), passassem por uma reestruturação com uma nova política habitacional. No entanto, por conveniência política, o BNH, responsável pela maior produção habitacional do país, foi extinto em 1986, deixando de existir uma política nacional de habitação.

O quantitativo do financiamento destinado aos projetos de habitação diminuiu ao mesmo tempo em que os problemas de moradia aumentavam. Intensificou-se a necessidade de uma intervenção do governo que adotasse um sistema diferente dos adotados anteriormente. Inicia-se uma nova fase na política habitacional no Brasil, chamada de pós-BNH.

Nesta fase, além das intervenções tradicionais, surgem programas que adotam conceitos inovadores como desenvolvimento sustentável, diversidade de tipologias, estímulo a processos participativos, parceria com a sociedade organizada, projetos integrados e articulação com a política urbana. Diferenciava-se claramente do modelo que orientou a ação do BNH, surgindo programas alternativos, como urbanização de favelas e assentamentos precários, construção de moradias novas por mutirão e autogestão, apoio à autoconstrução e intervenções em cortiços e em habitações nas áreas centrais.

Essas alterações, embora expressassem uma renovação na maneira como a questão da habitação passou a ser tratada, rompendo com o modelo dos tempos do BNH, não conseguiram iniciar uma nova política e acabaram por gerar um conjunto de conseqüências ruins, do ponto de vista social, econômico e urbano.

A implementação desses programas não alterou positivamente o combate ao déficit habitacional, principalmente no setor de baixa renda. De maneira geral, pode-se dizer que se manteve ou mesmo se acentuou uma característica tradicional das políticas habitacionais no Brasil, ou seja, um atendimento privilegiado para as camadas de renda média.

A situação de um elevado déficit habitacional concentrado na população de baixa renda evidencia o fracasso dos programas públicos e a incapacidade dos mecanismos de mercado para o enfrentamento do problema.

Além da insuficiência de unidades habitacionais, há também o chamado déficit qualitativo, formado por moradias que apresentam deficiências no acesso à infra-estrutura ou adensamento excessivo. A dimensão deste problema mostra que a questão habitacional não pode ser equacionada apenas com a oferta de novas unidades, como foi feito durante o período do BNH, requerendo uma ação articulada com as políticas urbana, fundiária e de saneamento.

Outro aspecto relaciona-se com domicílios urbanos vagos e depreciados. Esses imóveis localizam-se em locais urbanizados e servidos de infra-estrutura, em geral nas áreas centrais e consolidadas das maiores cidades revelando a situação de ociosidade. O problema da ociosidade de unidades existentes é mais grave nas regiões metropolitanas, onde o déficit é mais acentuado. Este crescente processo mostra a ausência de uma política fundiária articulada com as políticas habitacional e urbana.

Por isto, o desafio de suprir as necessidades quantitativas e criar condições para qualificar as necessidades quantitativas requer mudanças substanciais na ação do poder público e na sua forma de operar.

A partir de 2005, alterações relevantes ocorreram na área de financiamento habitacional. Houve uma substancial elevação dos investimentos, ampliação do subsídio e foco mais dirigido para a população de baixa renda.

Parece inevitável que ocorra uma significativa alteração do quadro da produção habitacional do país. Desde o início dos anos 80, nunca as perspectivas foram tão boas para o enfrentamento em larga escala do problema habitacional, inclusive para a baixa renda.

No entanto, se não forem tomadas as medidas necessárias no âmbito do planejamento habitacional, da regulação urbana, da cadeia produtiva da construção civil e da capacitação institucional, o crédito farto poderá gerar um boom imobiliário, mas, novamente, os setores de baixa renda poderão ficar de fora, reproduzindo-se o tradicional processo de exclusão no setor habitacional.

(Conjunto Habitacional Ney Braga, Maringá, Paraná)



Ígor Braga - Pedro Moreira - Sabrina Claudino - Sergio Vasconcellos

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