Habitação social - UMA RADIOGRAFIA HISTÓRICA



Algumas vertentes de análise da questão da habitação 




           texto de Berenice Martins Guimarães


A questão da habitação em Engels


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A época que Engels analisa, seja a Inglaterra de 1845 ou a Alemanha de quase trinta anos depois, 1872, é caracterizada por grandes transformações. A revolução industrial do século XIX provocara um desenvolvimento urbano sem precedentes na história, atingindo não apenas as capitais, mas também outros centros urbanos.

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a)       As origens da crise

Para Engels (1872) a crise da habitação não existe em si: é conseqüência da forma como se dá a produção e a distribuição da riqueza no modo de produção capitalista, o qual, por estar baseado na exploração da força de trabalho, na extração da mais-valia, reduz o salário dos trabalhadores ao nível mínimo de subsistência, ao mesmo tempo em que se mostra incapaz de prover moradias adequadas, acessíveis, e em número suficiente à necessidade da população, e permite a especulação imobiliária.

b)       A natureza da mercadoria habitação

A propriedade privada do uso do solo implica renda da terra que, enquanto urbana, tem seu valor reajustado de acordo com a lei da oferta e da procura, e ainda, artificialmente, através da especulação imobiliária. É a renda predial, na expressão de Engels cujo valor incide sobre o preço da casa. A necessidade de um grande investimento de capital para a produção da moradia e a lenta rotatividade desse fazem com que a construção só se realize mediante a perspectiva de lucros compensatórios, o que determina um preço final alto da mercadoria habitação, inacessível à maioria da população.
O que se evidencia nas colocações de Engels (1872) é a impossibilidade de dissociar-se a questão da habitação do modo de produção no qual ela é gerada, seja ao nível de sua produção ou ao de seu consumo, e também a contradição básica subjacente ao fato de a moradia ser, ao mesmo tempo, uma mercadoria e um bem necessário à reprodução da força de trabalho, portanto, fundamental ao sistema de produção, o que a toma uma questão social.

c)       A solução do problema - visão crítica

As proposições objetivavam "transformar cada traba1hador em proprietário da sua moradia", e os meios sugeridos para isso eram os mais diversos: abolição do aluguel, que seria transformado em parcelas de amortização da compra da casa; construção de casas para operários junto às fábricas ou na periferia das cidades; melhoria das habitações existentes, realizada por seus proprietários; e auxilio mútuo entre os trabalhadores para construir. Previa-se também a intervenção do Estado na habitação, que se daria, seja através de mecanismos legais - destinados a estimular o setor privado de construção e a estabelecer a fiscalização sanitária -, seja através da concessão de empréstimos às municipalidades ou sociedades privadas para construir habitações coletivas.
Este conjunto de idéias foi severamente criticado por Engels (1872), que vê nessa questão da habitação, assim como nas demais questões sociais, a expressão de um conflito de interesses de classes, que lhe é anterior, entre o capital e o trabalho.
Quando a burguesia decide-se pela construção de casas para os operários, estas são feitas junto às fabricas e unidades produtivas, e têm por objetivo garantir a disponibilidade de mão-de-obra necessária, o que representa mais uma forma de exploração e domínio sobre a classe trabalhadora. De um lado, segundo Engels (1872), há uma tentativa de fixar trabalhadores em um lugar, impedindo-lhes a liberdade adquirida de ofertarem a sua mão-de-obra onde melhor lhes convier. De outro, quando a solução da moradia está vinculada ao contrato de trabalho, significa o rebaixamento de seus salários, ao mesmo tempo em que os torna mais vulneráveis ao domínio dos patrões. A parte correspondente ao pagamento do aluguel seria descontada pelo patrão do seu custo de reprodução, o que é igual a rebaixar seus salários.

A proposta da casa própria é, para Engels (1872), em última instancia uma manobra da burguesia que quer imobilizar reduzir o salário e cooptar a classe trabalhadora. A moradia é uma necessidade básica, mas a sua satisfação através do Consumo da casa própria implica opção por um modo de produção específico (no caso, o capitalista) e tem representado, dentro desse, mais uma forma de exploração e domínio do trabalhador.
Dentro do modo de produção capitalista "não restam senão duas saídas: o auxílio mútuo dos trabalhadores e a ajuda do Estado" (p. 113) para resolver o problema da moradia. Um programa de auxílio mútuo, entretanto, só é acessível para os trabalhadores de renda mais alta, que são a minoria. E o Estado que deveria intervir na questão, não O faz porque também é burguês.


Algumas perspectivas de análise da questão de habitação
(bibliografia histórica de pesquisa - citações de autores importantes sobre a questão. Complemento no texto original)

Nos Estados Unidos

A análise da bibliografia pesquisada, que incorpora estudos feitos na década de 60 e 80, revelou a preocupação dos autores com o que constitui uma problemática central da Sociologia urbana americana: a segregação.
Na bibliografia pesquisada, apesar da diversidade de temas e de abordagens, foi possível identificar duas grandes perspectivas de análise: a primeira, onde se situa a maior parte dos autores aqui considerados (Abrams, 1967; Banfíeld e Meyerson, 1964; Parson, 1982; e Dreier, 1984), vê a questão da habitação como conseqüência de um processo político de negociação entre grupos de interesses conflitantes no qual vence o que tem maior poder, dependendo de sua capacidade de negociar em dado momento. A visão de Estado e de sociedade, subjacente a essas análises, é a de uma democracia pluralista, em que a política é resultado da negociação entre as partes, sendo o Estado o avaliador do processo. A segunda perspectiva, encontrada em Castelis (1983), Harvey (1978) e Edel (1982), parte de uma concepção marxista da sociedade, e vê o urbano como a expressão das contradições do sistema capitalista, que estabelece os limites e determina o processo. Nesse sentido, a questão da habitação é vista da perspectiva da luta de classes e do interesse da acumulação de capital, que tem no Estado a sua expressão principal.

Na Inglaterra

Seguindo a tradição lançada por Engels (1872), a literatura especializada em habitação na Inglaterra é muito extensa. Abrange estudos sobre diferentes aspectos da questão, a partir de perspectivas teóricas diferenciadas, e tem como característica a tradição de toda uma linha de trabalhos sobre public housing (política de aluguel subsidiado para a classe trabalhadora), especialmente no que se refere aos conjuntos habitacionais dos Local Council.

Duas abordagens se destacam: a de Saunders (1983, 1984) e a de BaIl (1978, 1983), a partir das quais procurou-se analisar como a questão da habitação vem sendo tratada na Inglaterra. Além desses, também foram vistos outros autores como Harloe (1984), Short (1982, book review por Hamnett, 1984) e rankenberg (1965), cujos trabalhos, entretanto, somente serão mencionados ocasionalmente.

Na França

A produção acadêmica sobre a questão da habitação na França é também bastante ampla, tendo como característica especial o compartilhamento de uma perspectiva teórica, a marxista, onde a teoria do capitalismo monopolista do Estado ocupa um lugar centraI. Dentro dessa perspectiva, a questão da habitação tem sido tratada, principalmente, a partir de uma visão economicista, que privilegia o aspecto da produção e do consumo da moradia.
Esta identidade teórica tem a ver, em grande parte, com o fato de a maioria dos autores considerados relevantes estarem vinculados a um mesmo centro de pesquisa - O Centre de Sociologie Urbaine de Paris. São eles: Magri (1972, 1977),  Preteceille (1973), Topalov (1974) e Pinçon (1976). Dois outros autores, Lojkine (1981) e Castells (1983) (esse último hoje nos Estados Unidos), apesar de não pertencerem àquela instituição, integraram a mesma geração de sociólogos marxistas.



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