A difícil questão da habitação – Parte 1 — cidades para que(m)?

A difícil questão da habitação – Parte 1 — cidades para que(m)?

No começo deste mês, os movimentos de moradia fizeram uma manifestação em frente à prefeitura, para cobrar maior agilidade da política habitacional no município. O prefeito Fernando Haddad, mostrando sua já habitual abertura ao diálogo, surpreendeu a todos fazendo algo que há tempos não se via: em vez de enfrentar manifestantes com polícia, subiu no carro de som e conversou diretamente com os manifestantes.
Na sua fala, resumiu o essencial: embora tenha a intenção de cumprir a meta prometida na campanha de fazer mais de 50 mil novas unidades habitacionais em São Paulo, a questão é achar onde fazê-las. Até agora, segundo Haddad, a principal ação da prefeitura está sendo encontrar terrenos disponíveis para a construção de habitações de interesse social. Segundo disse, já levantaram quase 100 mil áreas, o que particularmente achei surpreendente, para não dizer impossível.
Pois a equação habitacional, em São Paulo mas também em todo o Brasil, não se simplifica à promessa de construir casas, coisa aliás que o Programa Minha Casa Minha Vida tende a fazer-nos acreditar. Ela se confronta, antes de tudo, a um problema muito maior: ter terra disponível para os mais pobres, que não sejam somente terrenos sem infraestrutura relegados à alguma distante periferia, ou áreas de preservação ambiental. Por isso eu ceticismo em relação às áreas que a prefeitura diz ter achado. 
Essa é a questão. As cidades brasileiras promovem um gigantesco apartheid social e espacial, enviando os mais pobres para o mais longe possível, e embora haja terras sobrando na cidade “que funciona” para novos prédios, novos shoppings, lojas, ou casas de luxo, estranhamente não há terras para os mais pobres. A "explicação" é que elas são caras, o que pressupõe aceitar sem questionar que a cidade deva ser regida somente pelas regras do mercado. Enquanto isso, nos centros das nossas cidades, o número de prédios abandonados sem uso (cerca de 5 milhões) já quase equivale ao déficit habitacional do país (cerca de 6 milhões de moradias).
Nem se imagina, então, o sacrilégio de que o Estado pudesse - de antemão - reservar terras para os mais pobres, promovendo cidades mais democráticas. Tampouco se combate com a firmeza necessária a manutenção - que vai contra o Estatuto da Cidade - de edifícios vazios nas áreas centrais.
Mas não, a cidade brasileira "não precisa" ser democrática, pois a indecente concentração de renda faz com que ela funcione muito bem entre os mais ricos e para os mais ricos, desde que os mais pobres a acessem, mas apenas para fazê-la funcionar, não para morar. E a dura verdade é que parece que para as classes mais altas, chegando a noite, quanto mais longe estiverem os pobres, melhor.
Então, ao longo dos anos, amontoam-se nas periferias brasileiras milhões de pessoas para quem o direito à cidade não foi dado. Em São Paulo, são 1600 favelas, com cerca de um milhão e meio de moradores, muitos em situação de risco iminente. Somando-se os que moram em loteamentos precários periféricos, são mais de três milhões de pessoas, ou duas vezes a cidade de Recife. Seriam necessárias cerca de um milhão de moradias para atender tanta gente, o que dá uma dimensão do quanto as 55 mil moradias prometidas por Haddad, embora representem o dobro do que se costuma produzir em uma gestão, seriam ainda insuficientes.
O problema para o prefeito é que não há terra para tantos conjuntos habitacionais. A solução passa então pela necessidade de urbanizar favelas, torná-las bairros integrados à cidade. Mas isso leva tempo e é trabalhoso, às vezes incompatível com a pressa de uma gestão. Prefere-se anunciar a construção – o mais rapidamente possível – de milhões de casas, como faz o Minha Casa Minha Vida. Por isso a preocupação imediata da prefeitura pela busca de terras para a produção de casas.
Mas o problema é que, além do grande numero de pessoas a atender, além da falta de terras disponíveis na cidade com infraestrutura, grande parte das favelas está em áreas de proteção ambiental, nos mananciais ou em áreas de grande declividade. Como lembra o geólogo Eduardo Soares do IPT, as mudanças climáticas estão fazendo aumentar a frequência de chuvas de grande intensidade, aumentando a vulnerabilidade dos moradores de áreas de risco e obrigando a soluções de engenharia urbana que já não dão mais conta do recado.
O que fazer diante de tal impasse? A resposta não é simples, e continuarei a discuti-las na próxima parte desta postagem. 
Blog do João Sette Whitaker

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