Plano de transporte? Para quê? | blog da Raquel Rolnik
Enquanto o tema da péssima qualidade do transporte público nas nossas cidades ecoa nas ruas, o IBGE acaba de divulgar dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic 2012), mostrando que a maior parte das cidades brasileiras simplesmente não conta com planos de mobilidade, obrigatórios desde 2001 para as grandes cidades, e desde o ano passado para todas as cidades com mais de 20 mil habitantes.
De acordo com a pesquisa, dos 1669 municípios com mais de 20 mil habitantes, somente 10,01% contam com um plano municipal de transportes e em apenas 7,19% o plano foi desenvolvido com participação dos cidadãos. Entre os municípios com mais de 500 mil habitantes esta proporção aumenta para 55,26% e 36,84%, respectivamente. Com relação aos dados referentes aos conselhos municipais de transporte é possível comparar a situação entre os anos de 2001 e 2012. Em 2001, 4,86% dos municípios com mais de 20 mil habitantes contavam com conselho municipal de transporte. Onze anos depois, essa proporção passou para apenas 6,42%.
Moral da história: planejamento de transporte de longo prazo pactuado com a população, para quê? Afinal, parece que planos são coisa de tecnocratas alheios às lógicas predominantes nas decisões sobre o transporte público em nossas cidades. O fato é que as políticas de transporte navegam entre o lobby dos fornecedores de tecnologia, produtos e serviços de transporte, pressões dos sindicatos do setor e possíveis contabilidades eleitorais do mapa dos beneficiados.
A ausência de um plano municipal de transportes debatido de forma transparente e aberta com os cidadãos permite que as decisões sejam tomadas ad hoc – prioridades são mudadas e projetos são modificados ao sabor das circunstâncias, e raramente das necessidades e demandas mais urgentes. Infelizmente, não há política de transporte público sem planejamento de longo prazo, atravessando conjunturas e eleições. As políticas de transporte público precisam ser pensadas de forma integrada, articulando diferentes modais, e conectada com as demais decisões do plano diretor da cidade, como as relacionadas ao uso e ocupação do solo e à habitação, por exemplo.
Infelizmente não temos planos, e, quando eles existem, como é o caso da rede de corredores de ônibus constante do plano diretor de São Paulo, simplesmente não são implementados. No Rio de Janeiro, por exemplo, o traçado da expansão do metrô já mudou diversas vezes. A linha 4, que originalmente ligaria a Barra da Tijuca ao centro do Rio, formando uma rede com as demais linhas, foi transformada numa mera extensão da linha 1, conectando apenas a zona Sul à região da Barra da Tijuca, duas áreas nobres da cidade. Essa decisão, no entanto, foi tomada alegando-se a sua importância para os eventos esportivos.
Em São Paulo, no M’boi Mirim, a cada momento fala-se de uma solução diferente para o trânsito da região – uma hora é metrô, depois é ônibus, em seguida é monotrilho, e assim vai. O mesmo aconteceu com relação à Cidade Tiradentes: agora a solução é o monotrilho, mas já foram feitos “anúncios” de vários outros modais. Outro exemplo é a linha 6 do metrô, que sequer estava prevista no Plano Integrado de Transporte Urbano, do Governo do Estado, mas que virou prioridade.
Entre as respostas governamentais às manifestações por melhoria do transporte público, tanto a prefeitura do Rio de Janeiro como a de São Paulo anunciaram a criação de conselhos municipais de transporte e trânsito. No Rio de Janeiro, o conselho terá 25 membros, sendo 12 representantes do poder público e 12 da sociedade civil – todos nomeados pelo prefeito –, além do secretário de transportes. Já em São Paulo o conselho será composto por 39 membros, dos quais 13 serão representantes de órgãos da Prefeitura, 13 dos operadores dos serviços de transportes e 13 da sociedade civil (que deverão ser eleitos diretamente pela população), todos com mandato de dois anos.
Montar um conselho é sem dúvida uma boa ideia, mas será que este é capaz de mudar a forma como as decisões são tomadas? Os desafios da gestão do transporte público vão muito mais além: integração de distintas esferas de governo e entre municípios, no caso das regiões metropolitanas; transparência e controle social nos contratos de todas as concessões e obras; planejamento de longo prazo… Temas que, evidentemente, um conselho não dará conta de resolver.
Texto publicado originalmente no Yahoo!Blogs.
Enquanto o tema da péssima qualidade do transporte público nas nossas cidades ecoa nas ruas, o IBGE acaba de divulgar dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic 2012), mostrando que a maior parte das cidades brasileiras simplesmente não conta com planos de mobilidade, obrigatórios desde 2001 para as grandes cidades, e desde o ano passado para todas as cidades com mais de 20 mil habitantes.
De acordo com a pesquisa, dos 1669 municípios com mais de 20 mil habitantes, somente 10,01% contam com um plano municipal de transportes e em apenas 7,19% o plano foi desenvolvido com participação dos cidadãos. Entre os municípios com mais de 500 mil habitantes esta proporção aumenta para 55,26% e 36,84%, respectivamente. Com relação aos dados referentes aos conselhos municipais de transporte é possível comparar a situação entre os anos de 2001 e 2012. Em 2001, 4,86% dos municípios com mais de 20 mil habitantes contavam com conselho municipal de transporte. Onze anos depois, essa proporção passou para apenas 6,42%.
Moral da história: planejamento de transporte de longo prazo pactuado com a população, para quê? Afinal, parece que planos são coisa de tecnocratas alheios às lógicas predominantes nas decisões sobre o transporte público em nossas cidades. O fato é que as políticas de transporte navegam entre o lobby dos fornecedores de tecnologia, produtos e serviços de transporte, pressões dos sindicatos do setor e possíveis contabilidades eleitorais do mapa dos beneficiados.
A ausência de um plano municipal de transportes debatido de forma transparente e aberta com os cidadãos permite que as decisões sejam tomadas ad hoc – prioridades são mudadas e projetos são modificados ao sabor das circunstâncias, e raramente das necessidades e demandas mais urgentes. Infelizmente, não há política de transporte público sem planejamento de longo prazo, atravessando conjunturas e eleições. As políticas de transporte público precisam ser pensadas de forma integrada, articulando diferentes modais, e conectada com as demais decisões do plano diretor da cidade, como as relacionadas ao uso e ocupação do solo e à habitação, por exemplo.
Infelizmente não temos planos, e, quando eles existem, como é o caso da rede de corredores de ônibus constante do plano diretor de São Paulo, simplesmente não são implementados. No Rio de Janeiro, por exemplo, o traçado da expansão do metrô já mudou diversas vezes. A linha 4, que originalmente ligaria a Barra da Tijuca ao centro do Rio, formando uma rede com as demais linhas, foi transformada numa mera extensão da linha 1, conectando apenas a zona Sul à região da Barra da Tijuca, duas áreas nobres da cidade. Essa decisão, no entanto, foi tomada alegando-se a sua importância para os eventos esportivos.
Em São Paulo, no M’boi Mirim, a cada momento fala-se de uma solução diferente para o trânsito da região – uma hora é metrô, depois é ônibus, em seguida é monotrilho, e assim vai. O mesmo aconteceu com relação à Cidade Tiradentes: agora a solução é o monotrilho, mas já foram feitos “anúncios” de vários outros modais. Outro exemplo é a linha 6 do metrô, que sequer estava prevista no Plano Integrado de Transporte Urbano, do Governo do Estado, mas que virou prioridade.
Entre as respostas governamentais às manifestações por melhoria do transporte público, tanto a prefeitura do Rio de Janeiro como a de São Paulo anunciaram a criação de conselhos municipais de transporte e trânsito. No Rio de Janeiro, o conselho terá 25 membros, sendo 12 representantes do poder público e 12 da sociedade civil – todos nomeados pelo prefeito –, além do secretário de transportes. Já em São Paulo o conselho será composto por 39 membros, dos quais 13 serão representantes de órgãos da Prefeitura, 13 dos operadores dos serviços de transportes e 13 da sociedade civil (que deverão ser eleitos diretamente pela população), todos com mandato de dois anos.
Montar um conselho é sem dúvida uma boa ideia, mas será que este é capaz de mudar a forma como as decisões são tomadas? Os desafios da gestão do transporte público vão muito mais além: integração de distintas esferas de governo e entre municípios, no caso das regiões metropolitanas; transparência e controle social nos contratos de todas as concessões e obras; planejamento de longo prazo… Temas que, evidentemente, um conselho não dará conta de resolver.
Texto publicado originalmente no Yahoo!Blogs.
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