Ash Aamin
geógrafo Ash Amin, professor da Universidade de Cambridge, faz hoje a última palestra de sua temporada na UFMG. Depois de abordar ocupação de cidades e os novos desafios da esquerda, ele vai falar esta tarde, na Faculdade de Ciências Econômicas (às 16h , no auditório 1), sobre os direitos dos pobres urbanos.
Convidado do programa Cátedras, do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), Ash Amin (na foto de Foca Lisboa) concedeu entrevista ao Portal UFMG em que defende a criação de uma nova ciência para estudar as cidades em sua complexidade e afirma que os pobres, que ocupam as cidades sem recursos, têm muito a ensinar aos governos. “As autoridades têm que reconhecer que os pobres não estão paralisados e não são pessoas sem história e sem capacidade”, diz Amin.
O senhor visitou aglomerados e ocupações de Belo Horizonte. O que mais chamou sua atenção?
Além de participar de cátedra na UFMG, eu queria vir a Belo Horizonte porque estou fazendo pesquisa sobre os pobres urbanos. Estou muito interessado em como as cidades e os governos tratam os pobres. Que tipo de direitos e serviços são reservados a eles. Estive em contato com o grupo Práxis, da Escola de Arquitetura, que faz trabalho muito importante sobre os direitos dos pobres na cidade. Conversei com os pesquisadores e também fui ao campo para buscar duas coisas. Uma é a ocupação de terrenos pelos pobres em várias partes de Belo Horizonte, onde eles constroem casas, tijolos, todo tipo de material, buscando reconhecimento pelo uso do solo. Pra mim, foi uma experiência fascinante ver ocupações como essas que não se veem em outros lugares do mundo. As pessoas têm habilidades, resistência, força contra a lei para ganhar uma casa. Isso me impressionou muito. No Aglomerado da Serra, queria ver como as favelas que se desenvolveram conseguiram eletricidade, água, saneamento, se eles são diferentes do resto da sociedade, se eles têm mais ou menos senso de comunidade. Estou trabalhando em um projeto internacional, sobre a questão da infraestrutura em favelas diferentes do mundo. E a experiência brasileira é muito positiva, em função do tipo de progresso que foi feito em comparação com outros países.
Além de participar de cátedra na UFMG, eu queria vir a Belo Horizonte porque estou fazendo pesquisa sobre os pobres urbanos. Estou muito interessado em como as cidades e os governos tratam os pobres. Que tipo de direitos e serviços são reservados a eles. Estive em contato com o grupo Práxis, da Escola de Arquitetura, que faz trabalho muito importante sobre os direitos dos pobres na cidade. Conversei com os pesquisadores e também fui ao campo para buscar duas coisas. Uma é a ocupação de terrenos pelos pobres em várias partes de Belo Horizonte, onde eles constroem casas, tijolos, todo tipo de material, buscando reconhecimento pelo uso do solo. Pra mim, foi uma experiência fascinante ver ocupações como essas que não se veem em outros lugares do mundo. As pessoas têm habilidades, resistência, força contra a lei para ganhar uma casa. Isso me impressionou muito. No Aglomerado da Serra, queria ver como as favelas que se desenvolveram conseguiram eletricidade, água, saneamento, se eles são diferentes do resto da sociedade, se eles têm mais ou menos senso de comunidade. Estou trabalhando em um projeto internacional, sobre a questão da infraestrutura em favelas diferentes do mundo. E a experiência brasileira é muito positiva, em função do tipo de progresso que foi feito em comparação com outros países.
O senhor tem destacado a necessidade de entender a interação do humano com o não humano quando se trata das cidades. Explique, por favor.
Nós não aceitamos facilmente as diferenças e a separação entre o humano e o não humano. Me interessa como esses dois campos de existência dependem um do outro. Meu argumento é o de que nós não podemos entender o comportamento e a identidade dos seres humanos em cidades sem entender a relação com o ambiente, sem entender como as tecnologias penetram no cotidiano e no corpo das pessoas, sem entender como eles experimentam o ambiente urbano. Para mim, é importante entender o ser humano como mais que humano. Como produto de tecnologias, ambiente e material orgânico que nos faz humanos. E poderíamos dizer a mesma coisa sobre o não humano. Não podemos mais entender o não humano sem o humano.
Nós não aceitamos facilmente as diferenças e a separação entre o humano e o não humano. Me interessa como esses dois campos de existência dependem um do outro. Meu argumento é o de que nós não podemos entender o comportamento e a identidade dos seres humanos em cidades sem entender a relação com o ambiente, sem entender como as tecnologias penetram no cotidiano e no corpo das pessoas, sem entender como eles experimentam o ambiente urbano. Para mim, é importante entender o ser humano como mais que humano. Como produto de tecnologias, ambiente e material orgânico que nos faz humanos. E poderíamos dizer a mesma coisa sobre o não humano. Não podemos mais entender o não humano sem o humano.
Como entender a complexidade e a evolução das cidades?
A cidade e o viver urbano em geral formam um dos fenômenos mais complexos. As cidades são sistemas complexos. Têm ecos do passado, são muito plurais, mudam o tempo inteiro, combinam o humano e o não humano. Então, como nós entendemos uma realidade complexa que muda o tempo todo, um espaço onde o que você vê na superfície é só um por cento daquilo que realmente está acontecendo? Busco uma forma de desenvolver um novo tipo de ciência que junta as humanidades, as ciências sociais e as ciências puras, para trabalhar em fenômenos complexos e compreender a cidade como sistema. Acredito que nunca podemos ter visão completa da cidade. Uma única disciplina não pode capturar a cidade. Portanto, precisamos de uma nova ciência da cidade, pluralista, que aceite que só podemos conhecer até certo ponto. Tem que juntar muitas comunidades de inteligência, pensar no conhecimento como uma república em que você tem especialistas, cientistas, burocratas, legisladores, comunidades, crianças, habilidades de trabalhar com as pessoas. Em outras palavras, uma nova ciência urbana composta de muitas formas de inteligência.
A cidade e o viver urbano em geral formam um dos fenômenos mais complexos. As cidades são sistemas complexos. Têm ecos do passado, são muito plurais, mudam o tempo inteiro, combinam o humano e o não humano. Então, como nós entendemos uma realidade complexa que muda o tempo todo, um espaço onde o que você vê na superfície é só um por cento daquilo que realmente está acontecendo? Busco uma forma de desenvolver um novo tipo de ciência que junta as humanidades, as ciências sociais e as ciências puras, para trabalhar em fenômenos complexos e compreender a cidade como sistema. Acredito que nunca podemos ter visão completa da cidade. Uma única disciplina não pode capturar a cidade. Portanto, precisamos de uma nova ciência da cidade, pluralista, que aceite que só podemos conhecer até certo ponto. Tem que juntar muitas comunidades de inteligência, pensar no conhecimento como uma república em que você tem especialistas, cientistas, burocratas, legisladores, comunidades, crianças, habilidades de trabalhar com as pessoas. Em outras palavras, uma nova ciência urbana composta de muitas formas de inteligência.
Edição recente da revista City, em que um artigo seu é comentado por outros pesquisadores, inspira a seguinte pergunta: o que deve ser feito para melhorar a vida nas grandes cidades, de forma que os pobres sejam incluídos?
Se nos próximos dez anos teremos algo como 1,5 bilhão de pessoas pobres vivendo em cidades, uma relação produtiva tem que ser estabelecida entre a cidade e os pobres. Como se faz? Uma forma pela qual pode-se chegar a isso – e podemos aprender muito com o Brasil – é garantir que os pobres tenham direito a infraestrutura: acesso a água, saneamento, eletricidade. Além disso, autoridades municipais têm que assegurar acesso a serviços públicos com preço acessível ou gratuito, como no caso de transporte, saúde, educação e itens de bem-estar necessários a que essas pessoas se tornem algo diferente. Outro aspecto relevante: as autoridades têm que reconhecer que os pobres não estão paralisados, não são pessoas sem história, sem capacidade. Nas ocupações as pessoas constroem algo a partir de nada. O setor privado e o Estado não estão construindo suas casas, eles é que estão construindo suas casas, sozinhos. Ou com ajuda de movimentos sociais, a custo zero para a autoridade municipal. O governo podia aprender alguma coisa com isso, podia aprender muito. Principalmente a começar a tratar os pobres como o povo que tem recursos, porque eles fazem a cidade, são pessoas que criam valor, sem pedir muito. Você acha que nós podemos falar o mesmo sobre a classe média das cidades?
Se nos próximos dez anos teremos algo como 1,5 bilhão de pessoas pobres vivendo em cidades, uma relação produtiva tem que ser estabelecida entre a cidade e os pobres. Como se faz? Uma forma pela qual pode-se chegar a isso – e podemos aprender muito com o Brasil – é garantir que os pobres tenham direito a infraestrutura: acesso a água, saneamento, eletricidade. Além disso, autoridades municipais têm que assegurar acesso a serviços públicos com preço acessível ou gratuito, como no caso de transporte, saúde, educação e itens de bem-estar necessários a que essas pessoas se tornem algo diferente. Outro aspecto relevante: as autoridades têm que reconhecer que os pobres não estão paralisados, não são pessoas sem história, sem capacidade. Nas ocupações as pessoas constroem algo a partir de nada. O setor privado e o Estado não estão construindo suas casas, eles é que estão construindo suas casas, sozinhos. Ou com ajuda de movimentos sociais, a custo zero para a autoridade municipal. O governo podia aprender alguma coisa com isso, podia aprender muito. Principalmente a começar a tratar os pobres como o povo que tem recursos, porque eles fazem a cidade, são pessoas que criam valor, sem pedir muito. Você acha que nós podemos falar o mesmo sobre a classe média das cidades?
Para entrar em outro tema de suas pesquisas, quais são as novas possibilidades da esquerda levando em consideração episódios recentes como a Primavera Árabe e as manifestações no Brasil?
No caso do Brasil, as autoridades brasileiras podem responder de duas maneiras a esses acontecimentos. Elas poderiam tratar os eventos como temporários, deslocados, descabidos, e simplesmente deixá-los de lado. Ou começar a considerar que a sociedade brasileira está insatisfeita com algumas coisas, que têm a ver com a qualidade de vida, mas também com a política e com quem toma as decisões. Meu argumento é que, seja Brasil, Oriente Médio ou Europa, o mundo da política oficial e especialmente da esquerda – no caso de vocês, o PT – tem que se reconectar com as bases, com a democracia direta, olhar os protestos não como algo que é criminoso, mas como algo com que se deve aprender
No caso do Brasil, as autoridades brasileiras podem responder de duas maneiras a esses acontecimentos. Elas poderiam tratar os eventos como temporários, deslocados, descabidos, e simplesmente deixá-los de lado. Ou começar a considerar que a sociedade brasileira está insatisfeita com algumas coisas, que têm a ver com a qualidade de vida, mas também com a política e com quem toma as decisões. Meu argumento é que, seja Brasil, Oriente Médio ou Europa, o mundo da política oficial e especialmente da esquerda – no caso de vocês, o PT – tem que se reconectar com as bases, com a democracia direta, olhar os protestos não como algo que é criminoso, mas como algo com que se deve aprender
(Itamar Rigueira Jr.) UFMG
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