“Eu vim aqui para trazer uma boa notícia para o mercado imobiliário: vamos criar terrenos em Belo Horizonte”. Nestes termos, o Secretario Adjunto de Planejamento Urbano da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e economista, Marcello Faulhaber iniciou palestra no auditório da OAB-MG para as maiores autoridades do mercado imobiliário mineiro. Foi durante o Seminário Mineiro de Direito Urbanístico, organizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Imobiliários, que Marcelo Faulhaber apresentou a mega operação urbana consorciada (OUC) que será lançada nos próximos dias, um “ótimo negócio para o mercado imobiliário” batizado com o nome “Nova BH”.
O secretário flamenguista veio para Belo Horizonte no inicio de 2011 depois de ser convidado pelo prefeito Márcio Lacerda para integrar o governo. Antes disso, ainda em 2010, foi aprovada a lei municipal nº 9959 que revisou o plano diretor de Belo Horizonte e tratou de demarcar em torno de 30% do território da cidade para realização de operações urbanas consorciadas, sobre as áreas da cidade que devem ser prioritariamente adensadas: 1) principais corredores viários (ex. Av. Andradas); 2) entorno dos principais corredores de transporte coletivo (ex. Av. Antônio Carlos); 3) entorno das estações do BHBus (ex. Barreiro); 4) Vetor Norte.
As OUCs são parcerias público-privadas na execução do planejamento urbano que permitem excepcionar a legislação aplicável até então para fins de promover transformações urbanísticas estruturais. São aprovadas por lei específica e devem garantir a participação popular, tal como dispõe o estatuto da cidade (artigo 32 e seguintes da lei federal nº. 10.257/2001). Exemplos de operações urbanas: Faria Lima (São Paulo), Porto Maravilha (Rio de Janeiro), Pelourinho (Salvador), Parque Linear Bulevar Andradas (Belo Horizonte).
Na dita palestra, Marcello Faulhaber conceitou as OUCs como um “pacto entre a cidade e o mercado imobiliário” e sustentou que “é um excelente negócio para o mercado, por isso [as operações urbanas consorciadas] são tão bem sucedidas”. Pois bem, o projeto “Nova BH” consistirá na maior operação urbana consorciada da história da cidade e implicará em intervenções urbanísticas, adensamento, gentrificação (elitização do espaço) e valorização imobiliária[1] em cerca de 7% do território do município.
Os principais eixos da OUC “Nova BH” são os corredores das avenidas Antônio Carlos/Pedro I somado aos corredores das avenidas Andradas, Tereza Cristina e Via expressa, abrangendo toda a extensão do vale do Arrudas (eixo leste-oeste) para afetar bairros como o tradicional Santa Tereza, no qual se pretende construir “a torre mais alta da América Latina”[2]. Neste caso a OUC “Nova BH” permitirá, por exemplo, a alteração dos padrões urbanísticos atuais para viabilizar o empreendimento que foi publicizado pelo escritório Farkasvölgyi como “Complexo Andradas”. Um projeto que ultrapassa (e muito) os atuais coeficientes construtivos permitidos atualmente para aquela região, com previsão de 85 andares (350 metros de altura), 500 mil metros de área construída, arena multi uso com capacidade para 40 mil pessoas e 10 mil (!) vagas de estacionamento.
A população da Lagoinha (que soube pelos jornais de um decreto de desapropriação de área aproximada de 1 km² para a construção de um novo Centro Administrativo pela prefeitura), do Santa Tereza, da Pampulha e de todos os outros bairros que serão afetados pela OUC “Nova BH”, ainda não foi sequer informada do projeto detalhado por Marcello Faulhaber aos representantes do mercado imobiliário presentes no seminário em questão. Isso apesar dos contratos dos estudos da OUC terem sido assinados há mais de um ano pela prefeitura, de acordo com as publicações no diário oficial municipal.
A notícia dada por Faulhaber empolgou a platéia. Não sem motivo, pois os títulos mobiliários emitidos nas operações urbanas, os chamados CEPAC’s[3], que permitem a construção de área adicional, valorizaram 105,5% ao ano no projeto Porto Maravilha, na cidade do Rio de Janeiro, segundo informou o próprio secretario adjunto a título exemplificativo. Em Belo Horizonte, como no Rio, a prefeitura irá realizar leilões para vender CEPAC’s e arrecadar fundos com a operação urbana.
Marcelo Faulhaber, o homem das parcerias público-privadas de BH, “golden boy” do mercado imobiliário[4] indicado pelo senador Aécio Neves para integrar a gestão Lacerda, foi o coordenador do programa de governo do atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Há um ano emeio a operação urbana “Nova BH” tem recebido a dedicação do secretario adjunto que afirmou que o projeto será divulgado como “um presente para a cidade” até a primeira quinzena de outubro.
Em tempos de “cidade empresa”, “cidade de exceção”, “democracia direta do capital”e outros conceitos que compõem o pano de fundo da chamada crise urbana que levou milhões de brasileiros(as) às ruas em junho[5], inegavelmente a disputa pela cidade possui uma dimensão revolucionária. Nesse cenário, o projeto “Nova BH” representa o que há de mais repulsivo na lógica do “empreendedorismo urbano”[6] reproduzida e aprofundada pelo governo Márcio Lacerda[7]. Eis aí uma interessante trincheira para os movimentos que lutam por uma nova BH desde abaixo, na perspectiva do direito humano à cidade. Fica a dica.
[1] Mariana Fix defende a tese de que toda OUC necessariamente pressupõe valorização imobiliária e gentrificação, o que concordamos. Veja: “Assim, tenham ou não sucesso financeiro, as operações são contrárias ao desenvolvimento de políticas de distribuição de renda,democratização do acesso à terra e aos fundos públicos. Ao contrário,fragmentam o fundo público e aumentam o controle privado sobre sua destinação.Além disso, seu uso tem sido sempre associado a investimentos feitos diretamente com recursos orçamentários, utilizados antes da aprovação da operação (como na Água Espraiada), ou no entorno do seu perímetro, como em outra operação, a Faria Lima - de modo a acentuar fortemente a valorização imobiliária, pressuposto básico para o funcionamento do instrumento.”Trecho extraído do artigo “Uma ponte para a especulação - ou a arte da renda na montagem de uma cidade global”, disponível emhttp://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792009000100003.
[2] Reportagem da Band News sobre Complexo Andradas disponível emhttp://www.blogdobraulio.com/2013/07/complexo-andradas-reportagem-band-news.html
[3] Certificados de potencial adicional de construção (art. 34, lei federal nº 10.257/2001).
[3] Certificados de potencial adicional de construção (art. 34, lei federal nº 10.257/2001).
[4] Sobre o recrutamento pela Administração Pública de executivos com “espírito de liderança” e “apetite por risco”, como o secretário adjunto Marcello Faulhaber, ver matéria publicada pela revista Exame, intitulada “A nova geração do setor público”, disponível na página: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0999/noticias/a-nova-geracao-do-setor-publico
[5] A este respeito, recomendamos a leitura do pequeno texto publicado pelo professor Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ) na obra “Cidades Rebeldes”, lançada recentemente pela editora Boitempo.
[6] HARVEY, David. Do Administrativismo ao Empreendedorismo: atransformação da governança urbana no capitalismo tardio. In.: HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume Editora, 2006 (2a edição) p. 163-190. Disponível em:http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/babel/textos/harvey-producao-capitalista-espaco.pdf.
[7] Sobre o planejamento urbano no governo Márcio Lacerda, recomendamos o excelente texto de João Tonucci e Daniel Medeiros “Política urbana às avessas em BH”, disponível em http://olhorua.wordpress.com/2013/06/12/politica-urbana-as-avessas-em-bh/
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